quinta-feira, 3 de março de 2011

Fundamentos de História do Direito

CAPÍTULO 1 – O DIREITO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS
Antônio Carlos Wolkmer

1.INTRODUÇÃO
            Wolkmer começa o capítulo apresentando o principal dilema quanto a esse assunto:
“Falar, portanto, de um direito arcaico ou primitivo implica ter presente não só uma diferenciação da pré-história e da história do direito, como, sobretudo, nos horizontes de diversas civilizações, precisar o surgimento dos primeiros textos jurídicos com o aparecimento da escrita... Autores como John Gillisen questionam a própria expressão ‘direito primitivo’, aludindo que o termo ‘direito arcaico’ tem um alcance mais abrangente para contemplar múltiplas sociedades que passaram por uma evolução social, política e jurídica bem avançada, mas que não chegaram a dominar a técnica da escrita”

2.FORMAÇÃO DO DIREITO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS
“A dificuldade de se impor uma causa primeira e única para explicar as origens do direito arcaico deve-se em muito ao amplo quadro de hipóteses possíveis e proposições explicativas distintas”
Após esclarecer a complexidade desse tema, Wolkmer expõe o falado processo de formação:
“Nasceu espontânea e inteiramente nos antigos princípios que constituíram a família... Nas sociedades antigas, tanto as leis quanto os códigos foram expressões da vontade divina, revelada mediante a imposição de legisladores-administradores, que dispunham de privilégios dinásticos e de uma legitimidade garantida pela casa sacerdotal”.
“A inversão e a difusão da técnica da escritura, somada à compilação de costumes tradicionais, proporcionam os primeiros códigos da Antigüidade, como o de Hamurábi, o de Manu, o de Solos e a Lei da XII Tábuas. Constatam-se, destarte, que os textos legislados e escritos ‘eram melhores depositários do direito e meios mais eficazes para conservá-lo que a memória de certo número de pessoas, por mais força que tivessem em função de seu constante exercício’(SUMMER MAINE, Henry)”.

3.CARACTERÍSTICAS E FONTES DO DIREITO ARCAICO
Referente às características:
“o direito primitivo não era legislado, as populações não conheciam a escritura formal e sua regras de regulamentação mantinham-se e conservavam-se pela tradição... cada organização social possuía um direito único... Trata-se da multiplicidade de direitos diante de uma gama de sociedades atuantes, advinda, de um lado, da especificidade para cada um dos costumes jurídicos concomitantes, de outro, de possíveis e inúmeras semelhanças ou aproximações de um par outro sistema primitivo... o direito arcaico está profundamente contaminado pela prática religiosa... Gillisen chama atenção para o fato de que os direitos primitivos são ‘direitos em nascimento’, ou seja, ainda não ocorre uma diferenciação efetiva entre o que é jurídico do que não é jurídico”.
             Referente às fontes:
“as fontes jurídicas primitivas são poucas, resumindo-se, na maioria das vezes, aos costumes, aos preceitos verbais, às decisões pela tradição etc. No que concerne aos costumes, há de se reconhecer como a fonte mais importante e mais antiga do direito, manifestação que comprova por ser a expressão direta, cotidiana e habitual dos membros de um dado grupo social.”

4.FUNÇÕES E FUNDAMENTOS DO DIREITO NA SOCIEDADE PRIMITIVA
Para explicar esses dois pontos é usada a linha de pensamento de Malinowski, conforme as seguintes passagens:
“Inicialmente, constata-se que em cada cultura humana desenvolve-se um corpo de obrigações, proibições e leis que devem ser cumpridas por motivos práticos, morais ou emocionais... além das regras jurídicas sancionadas por um aparato social com poderosa força cogente, subsistem outros tipos diferenciados de normas tradicionais gerados por motivos psicológicos”.
“As regras de direito civil caracterizadas por uma certa flexibilidade e abrangência... compreendiam um conjunto de ‘obrigações impositivas consideradas como justas por uns e reconhecidas como um dever pelos outros, cujo cumprimento se assegura por um mecanismo específico de reciprocidade e publicidade inerentes à estrutura da sociedade”.
“A função principal do direito é, para Malinowski, liminar certas inclinações comuns... assegurando um modo ‘de cooperação baseada em concessões mútuas e em sacrifícios orientados para um fim comum’... Assim o papel do direito é fundamental como elemento que regula, em grande parte, os múltiplos ângulos da vida dos grupos na Melanésia e ‘as relações pessoais entre parentes, membros do mesmo clã e da mesma tribo, fixando as relações econômicas, o exercício do poder e da magia, o estado legal do marido e da mulher, etc.’”.

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O primeiro item que Wolkmer faz uma crítica é o que diz respeito à fragilidade de várias teses existentes sobre o direito arcaico que usam de visão evolucionista, vistas por John Gilissen como sendo por demais simplistas e sobejamente lógicas para serem corretas.
Outro ponto é quanto à tendência de Malinowski de considerar o indivíduo primitivo como sendo alguém que não desrespeitava as leis impostas por sua sociedade. Ele faz a seguinte referência sobre esse aspecto:
“Escreve Norbert Roland que algumas investigações etnográficas mostram o contrario, pois o indivíduo, pensando que há menos vantagem do que inconveniência em respeitar a lei, acaba muitas vezes violando-a”.
  
CAPÍTULO 3 – O DIREITO GREGO ANTIGO
Raquel de Souza

1.INTRODUÇÃO
            Raquel de Souza inicia seu estudo indicando o período de análise do direito grego em questão:
“Para o estudo do direito grego é particularmente interessante o período que se inicia com o aparecimento da polis, meados do século VIII a.C., e vai até o seu desaparecimento e surgimento dos reinos helenísticos no século III a.C.”
            Após, Raquel explica que apesar do direito de Atenas ser o de maior destaque na época, ele não pode ser considerado como o direito de toda a Grécia.
            Em seguida, ela coloca o invento da escritura peça fundamental para a popularização do direito grego:
“A escrita surge como nova tecnologia, permitindo a codificação de leis e sua divulgação através de inscrições nos muros das cidades. Dessa forma, junto com as inscrições democráticas que passaram a contar com a participação do povo, os aristocratas perdem também o monopólio da justiça”.
            Nesta introdução, ainda, Raquel faz uma pequena apresentação de dois grandes legisladores atenienses: Drácon e Sólon:
“Deve-se a Drácon a introdução  de importante princípio do direito penal: a distinção entre os diversos tipos de homicídio, diferenciando entre homicídio voluntário, homicídio involuntário e o homicídio em legítima defesa”
“Sólon não só cria um código de leis, que alterou o código criado por Drácon, como também procede a uma reforma institucional, social e econômica”.
            No final da introdução, são feitas mais algumas considerações sobre a história do direito de Atenas:
“Com a queda da tirania de Pisístrato em 510 a.C., o povo ateniense reage... e elege Clístenes, considerado, posteriormente, o pai da democracia grega. Clístenes atua como legislador, realizando verdadeira reforma e instaurando nova Constituição”.
“Com as guerras Pérsicas... inicia-se o que se conhece como era clássica da Grécia... Nessa época se consolidam as principais instituições gregas: a Assembléia, o Conselho dos Quinhentos (Boulê) e os Tribunais da Heliaia”.

2.A ESCRITA GREGA:
            Raquel explica a falta que a escrita fez para o direito grego:
“a escrita grega surgiu e se desenvolveu ao longo da história da civilização grega, tendo atingido sua maturidade somente após o ocaso dessa civilização... Pode-se afirmar que não há como ter um sistema jurídico plenamente estabelecido sem um sistema de escrita”.
            É então mostrado que, não podendo desenvolver os aspectos formais do direito, os gregos se apegaram a outra parte do direito: o uso da oratória.
“O historiador Moses Finley... chama a atenção para essa característica dos gregos:
‘Os gregos preferiam falar e ouvir... Heródoto, por exemplo, fez leituras públicas da sua História... Platão exprimiu abertamente a sua desconfiança em relação aos livros... Sócrates conseguiu a sua reputação apenas com uma longa vida de conversação, já que não escreveu uma só linha’”.
“Os escritores do século IV eram na sua maioria oradores e professores de retórica. Não por acaso, o direito grego é, antes de tudo, um direito retórico”.
           
3.A LEI GREGA ESCRITA COMO INSTRUMENTO DE PODER
            Raquel coloca a teoria mais aceita sobre o surgimento das leis escritas:
“A escrita... somente dois reaprendida pelos gregos no século VIII a.C. e um dos usos dessa nova arte foi a inscrição pública de leis... A explicação até agora mais predominante tem sido a de que o povo grego, em determinado ponto da história (por volta do século VII a.C.), começou a exigir leis escritas para assegurar melhor justiça por parte dos juízes... O propósito seria o de remover o conteúdo das leis do controle de um grupo restrito de pessoas e colocá-lo em lugar aberto, acessível a todos”.
            É apresentada, então, a outra percepção do fato. Nela, a vinda da escrita é vista como uma forma de dominação da elite, não como uma conquista da população em geral.
“No entanto, entre as objeções a essa teoria está a falta de evidência de que as leis, antes dos legisladores, estivessem sob controle exclusivo de determinados grupos da sociedade”.
“Uma versão mais recente, defendida por Michael Gabarem, é a da utilização da nova tecnologia, a escrita, pela cidade (polis) como um instrumento de poder sobre o povo... Eles podem ter limitado a autonomia dos magistrados judiciais, mas o poder político absoluto continuava intocável”. 
“Como resposta às perturbações e agitações que se formavam, muitas cidades devem ter buscado na nova tecnologia da escrita uma forma de controle e persuasão”.
“À medida que as cidades aumentavam em tamanho e complexidade, reconheciam a necessidade de um conjunto oficial de leis escritas, publicamente divulgadas, para confirmar sua autoridade e impor a ordem na vida de seus cidadãos”.
“Marcel Dettienne, em seu artigo... desenvolve a idéia de que a escrita, nos povos antigos, além de sua complexidade intrínseca, estava confinada aos palácios e era privativa de especialistas letrados... Porém, com a nova escrita alfabética, mercadores, poetas, artesãos e o povo em geral, cada um a sua maneira, começaram a usar escrita... a escrita muda de status e se torna ‘operador de publicidade’”.

4.O DIREITO GREGO ANTIGO
Raquel discute a pouca importância dada ao direito grego no campo dos tratados:
“Os gregos não elaboraram tratados sobre o direito, limitando-se apenas à tarefa de legislar (criação das leis) e administrar a justiça pela resolução de conflitos (direito processual)”.
“Com o direito grego aconteceu um processo diferente do tratamento dispensado à filosofia, literatura e história. Enquanto estes foram copiados, recopilados e constantemente citados, nada se fez com relação às leis gregas, não havendo compilações, cópias, comentários, mas pouquíssimas citações. Ficaram apenas algumas fontes epigráficas e as menções feitas por escritores, filósofos e oradores”.
            Apesar de não ser muito conhecida, as leis gregas, principalmente as processuais, possuíam um grau de organização muito grande como se vê nas passagens a seguir:
“Uma forma utilizada para classificar as leis gregas é a utilizada por Michael Gagarin, categorizando-as em crimes (incluindo tort), família, pública e processual. A categoria denominada por crimes e tort, que aproximadamente correspondia ao nosso direito penal, inclui o homicídio que os gregos, já com Drácon (620 a.C.), diferenciavam entre voluntário, involuntário e em legítima defesa... Ainda na categoria de crimes e tort se incluem: as leis estabelecidas por Zaleuco, que fixou penalidades para determinadas ofensas... as leis de Carondas, que também estabeleciam penalidades para vários tipos de assaltos; as leis de Sólon, que previam uma multa para estupro, penalidades específicas para roubo, dependendo dos bens roubados, e penalidades para difamação e calúnia”.
“Classificadas como família, encontramos leis sobre casamento, sucessão, herança, adoção, legitimidade de filhos, escravos, cidadania, comportamento das mulheres em público etc”.
“Como leis públicas temos as que regulam as atividades e deveres políticos dos cidadãos, as atividades religiosas, a economia (regulamentando as práticas de comércio), finanças, vendas, aluguéis, o processo legislativo, relação entre cidades, construção de navios, dívidas etc”.
            Outra prova do alto nível evolutivo desse direito é encontrado na utilização de árbitros públicos e privados.
“A arbitragem privada era um meio alternativo... sendo arranjada pelas partes envolvidas que escolhiam os árbitros entre pessoas conhecidas e de confiança”.
“Por outro lado, a arbitragem pública visava a reduzir a carga dos dikastas, sendo utilizada nos estágios preliminares do processo de alguns tipos de ações legais... A ação pública podia ser iniciada por qualquer cidadão que se considerasse prejudicado pelo Estado... A ação privada era um debate judiciário entre dois ou mais litigantes”.

5.A RETÓRICA GREGA COMO INSTRUMENTO DE PERSUASÃO JURÍDICA
            Fica esclarecido, aqui, o importante papel da retórica no direito grego.
“Steven Johnstone inicia seu livro... declarando:
‘A lei ateniense era essencialmente retórica. Não havia advogados, juízes, promotores públicos, apenas dois litigantes dirigindo-se a centenas de jurados’”.
“É S.C.Todd quem talvez esclareça os motivos que levaram os gregos a conservarem o direito nas mãos de amadores:
‘Em Atenas, contudo, a administração da justiça foi mantida, tanto quanto possível, nas mãos de amadores, com o efeito (e talvez também o objetivo) de permanecer barata e rápida. Todos os julgamentos eram aparentemente completados em um dia, e os casos privados muito mais rápidos do que isso’”.
“É justamente nessa parte processual do direito, formada por litigantes, logógrafos e júri popular, que se encontra a grande particularidade do direito grego antigo: a retórica da persuasão”.
            O funcionamento do processo grego é então detalhado por Raquel de Souza:
“O direito grego através de seus tribunais formados por um júri composto de cidadão comuns... era atividade que fazia parte do dia-a-dia da maioria das cidades gregas”.
“A heliaia era o tribunal popular que julgava todas as causas, tanto públicas como privadas... Os membros da heliaia, denominados heliastas, eram sorteados anualmente dentre os atenienses”.
“A apresentação do caso era feita por discurso contínuo de cada um dos litigantes... A votação era feita imediatamente após a apresentação... Não havia juiz”.
“Os litigantes dirigiam-se diretamente aos jurados através de um discurso... O julgamento resumia-se a um exercício de retórica e persuasão”.
            É nesse contexto que surge a figura do advogado que conhecemos:
“Cabia ao litigante convencer a maior parte de jurados e para isso valia-se de todos os truques possíveis. O mais comum... foi o uso de logrógafos, escritores profissionais de discursos forenses. Podemos considera-los como um dos primeiros advogados da história”.
“O júri regularmente permitia que um parente, ou associado, auxiliasse um litigante... as pessoas que prestavam auxílio, no início, eram recrutadas dentre os parentes de sangue ou de casamento... Pelos meados do quarto século a.C., a prática ficou firmemente estabelecida e os litigantes já não mais fingiam que a pessoa que prestava auxílio era na verdade um amigo e até mesmo um profissional”.
“A retórica dos logógrafos tornou-se um dos mais eficazes meios de persuasão... Em seu tratado, Retórica, Aristóteles diferencia três tipos de retórica: deliberativa, judiciária e epidítica. A retórica judiciária, segundo Aristóteles, visava ao júri e tratava de eventos passados”.
            É feita, ainda, uma menção à peculiar figura do sicofanta no direito grego:
“Tem-se ainda, no rol de personagens do sistema processual do direito grego antigo, a figura do sicofanta, um produto do próprio sistema que permitia e estimulava que qualquer cidadão  grego iniciasse uma ação pública (graphé).O estímulo era dado por meio de leis que concediam percentuais, pagos ao acusador, sobre a quantia que o acusado deveria pagar ao Estado”.

6.AS INSTITUIÇÕES GREGAS
Os órgãos do governo
O primeiro órgão apresentado é a assembléia:
“A Assembléia (ekklêsia) era composta por todos os cidadãos acima de 20 anos e de posse de seus direitos políticos”.
“A Assembléia constituía-se no órgão de maior autoridade, com atribuições legislativas, executivas e judiciárias. Competiam-lhe: as relações exteriores, o poder legislativo, a parte política do poder judiciário e o controle do poder executivo”.
Em seguida, o Conselho:
“O conselho (boulê), composto de 500 cidadãos... com idade acima de 30 anos e escolhidos por sorteio a partir de candidatura prévia, era renovado a cada ano”.
“O papel do Conselho, devido a sua dedicação total à atividade pública, era o de auxiliar a Assembléia e alivia-la das atividades que requeriam dedicação total, funcionando como parlamento moderno”.
Na seqüência, os estrategos:
“Os estrategos foram instituídos em 501 a.C., em número de dez, sendo eleitos pela Assembléia, e podendo ser reeleitos indefinidamente... Tinham como atividades principais o comando do exército, distribuição do imposto de guerra, dirigir a política de Atenas e a defesa nacional”.
A última instituição a ser mostrada é a referida aos magistrados:
“Os magistrados eram sorteados dentre os candidatos eleitos, renovados anualmente e não podiam ser reeleitos... Os atenienses tinham vários tipos de magistraduras, quase sempre agrupadas em forma de colegiado”.
Um resumo das funções dos órgãos é, então elaborado:
“O Conselho:  -examina         -prepara as leis       -controla
A Assembléia:  -delibera        -decide                     -elege e julga
Os Estrategos: -administram a guerra  -distribuem os impostos  -dirigem a política
Os Magistrados: -instruem os processos    -ocupam-se dos cultos   -exercem as funções municipais”
A justiça e os tribunais
É feita uma breve introdução sobre como funcionava a justiça grega, como estava dividida e a quem ela estava subordinada:
“Como detentor da soberania, ao povo, e somente a ele, cabia administrar a justiça e resolver conflitos através de instituições populares e com a característica adicional da ausência total do profissionalismo. As instituições atenienses... podem ser agrupadas em duas categorias: (a) justiça criminal e (b) justiça civil”.
a)Justiça criminal
            Sobre a justiça criminal:
“O Areópago era o mais antigo tribunal de Atenas... Com as sucessivas reformas (Clístenes e Efialtes), teve seu poder esvaziado, perdendo várias atribuições, inclusive as políticas. No quarto século, somente julgava os casos de homicídios premeditados ou voluntários”.
“O tribunal dos Efetas era composto de quatro tribunais... O Areópago enviava a esses tribunais os casos de homicídio involuntário ou desculpáveis”.
b)Justiça civil
      Inerente à justiça civil:
“Os juízes dos demos, em número de 30 e mais tarde de 40, escolhidos por sorteio, percorriam os demos e resolviam de forma rápida os litígios que não ultrapassassem 10 dracmas”.
“Os árbitros podiam ser privados ou públicos… Funcionava também como sistema rápido e econômico para a solução de litígios entre familiares”.
“A heliaia foi a grande demonstração de que o povo era soberano em matéria judiciária, por ser um tribunal que permitia que a maior parte dos processos fosse julgada por grandes júris populares”.
“Finalmente, havia os juízes dos tribunais marítimos (nautodikai), que se ocupavam dos assuntos concernentes ao comércio e à marinha mercante, além das acusações contra os estrangeiros”.

7.CONSIDERAÇÕES FINAIS
            Raquel de Souza recapitula os motivos para a pouca importância dada ao direito grego atualmente:
“Três fatores adicionais contribuíram para o direito grego não ocupar a importância que merece. Primeiro, o desenvolvimento da escrita e a publicação de textos em material; durável aconteceu paralelamente à evolução da sociedade grega e do direito. Em segundo lugar, a obstinação dos gregos em não aceitar a profissionalização do direito... Finalmente... muito pouco material sobreviveu para servir ao estudioso do direito grego antigo”.
            Raquel finaliza exaltando as qualidades do direito grego:
“Os gregos antigos não só tiveram um direito evoluído, como influenciaram o direito romano e alguns de nossos modernos conceitos e práticas jurídicas: o júri popular, a figura do advogado na forma embrionária do logógrafo, a diferenciação de homicídio voluntário, involuntário e legítima defesa, a mediação e a arbitragem, a gradação das penas de acordo com a gravidade dos delitos e, finalmente, a retórica e eloqüência forense”.

CAPÍTULO 5 – DIREITO ROMANO CLÁSSICO: SEUS INTITUTOS JURÍDICOS E SEU LEGAGO
Francisco Quintanilha Verás Neto

1.INTRODUÇÃO
            Nessa introdução, Francisco Quintanilha Véras Neto fornece todo um estudo sobre o funcionamento dessa sociedade que originou o direito antigo mais importante e que mais influenciou nosso direito atual. Essas diversas características podem ser observadas nas seguintes passagens:
“O Império Romano e suas várias etapas históricas estariam fixadas cronologicamente no modo de produção escravagista, em que o motor do desenvolvimento econômico estava nas grandes propriedades apropriadas pela aristocracia patrícia, que, controlando os meios de produção, as terras e as ferramentas necessárias ao trabalho agrícola, dominavam as classes pobres e livres dos plebeus, clientes e dos escravos”.
“A significação histórica do direito romano em seu contexto histórico, caracterizado por um modo de produção escravagista, especialmente demarcado no tempo. Esse mundo era caracterizado por formas de dominação diferente das atuais, incluindo aí um universo jurídico construído por formas peculiares de controle social, mantidas pela força coativa e pela persuasão de um universo cultural constituído por uma religião, uma moral e filosofia típicas daquela civilização da Antigüidade Clássica”.
“Os recém-nascidos só vêm ao mundo, ou melhor, só são recebidos na sociedade em virtude de uma decisão do chefe de família... A criança que o pai não levantar será exposta diante da casa ou num monturo público; quem quiser que a recolha”(ARIES, Philippe; DUBY, Georges).
“O universo cultural e a significação moral advinda desse mundo escravagista atribuíam ao direito civil romano a forma de direito material e instrumentalmente sicofânico, ou seja, um direito baseado em ardis e fraudes, que por sua vez acabavam beneficiando os mais fortes em face da existência de uma sociedade extremamente desigual”.
“Numa sociedade tão desigual, desigualitária e atravessada por redes de clientelas, não é necessário dizer que os direitos mais formais não eram reais e que a um fraco pouco tinha a ganhar processando os poderosos”( ARIES, Philippe; DUBY, Georges).
“Não existiam a autoridade e a coerção públicas indispensáveis à implementação de decisões judiciais; e as violações mais cruéis possuíam apenas um caráter civil; não existia, portanto, coação pública capaz de impor a sanção penal, visando à proteção contra a violência que atingisse os bens jurídicos relevantes; as citações eram feitas pelas próprias partes, que dependiam muitas vezes de poder militar para obter êxito nesta iniciativa; não existia, pois, um poder público coativo e exterior, capaz de impor a sanção jurídica de forma organizada e centralizada”.
“O casamento romano não possuía uma configuração que permitisse a intervenção de um poder público e estava essencialmente disciplinado pelo direito privado, que não era escrito, pelo contrário, era informal e oral, ocorrendo apenas a presença precária de testemunhas e em última instância da prova verbal dos nubentes restabelecedores da celebração através de sua memórias”.

2.A IMPORTÂNCIA DO DIREITO ROMANO E A SUA PRESENÇA NOS ORDENAMENTOS JURÍDICOS MODERNOS
            A importância do direito é elucidada nas palavras de José Cretella Júnior:
“Ora, nenhum direito do passado reúne, para esse fim, as condições que o direito romano apresenta. Abarcando mais de 12 séculos de evolução –documentada com certa abundância de fontes-, nele desfilam, diante do estudioso, os problemas de construção, expansão, decadência e extinção do mais poderoso império que o mundo antigo conheceu”.
            Francisco Quintanilha mostra como o direito romano está presente no nosso atual:
“O direito romano continua vivo em várias instituições liberais individualistas contemporâneas, principalmente naquelas instituições jurídicas concernentes ao direito da propriedade no seu prisma civilista e ao direito das obrigações, norteando o caráter privatístico do nosso Código Civil”.

3.AS FASES HISTÓRICAS DA CIVILIZAÇÃO ROMANA E DE SUAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICAS
            Primeiro, é exposto o funcionamento das instituições no período monárquico:
“Na fase da Realeza surgem algumas instituições político-jurídicas ainda muito vinculadas à existência de um Estado Teocrático. O cargo de rei assume caráter de magistratura vitalícia, sendo ao mesmo tempo chefe político, jurídico, religioso e militar, ou seja, o rei era o magistrado único, vitalício e irresponsável”.
“O Senado funcionava como uma espécie de Conselho do Rei, composto por 100 membros; era subordinado ao rei e por este convocado; sua função era consultiva e não deliberativa”.
Após, o do período seguinte, o republicano:
“Na República, as magistraturas passaram a ganhar mais prestígio, destacando-se do poder dos dois cônsules, que inicialmente são as magistraturas únicas e vitalícias”.
“As fontes do direito na República são o costume, a lei e os editos dos magistrados”.
“Nesse período também se destacam alguns dos maiores jurisconsultos e criadores de conceitos tópicos da ‘ciência jurídica romana’, incluindo alguns dos maiores sistematizadores do direito romano, que mais tarde foram elevados à condição de fonte imutável do direito romano, no período justineu”.
            E, finalizando, do período imperial:
“O último período da história da civilização romana é o do baixo Império (dominato),  quando ocorre a cristianização do Império, e também a decadência política e cultural; a fonte de criação do direito passa a ser a constituição imperial”.

4.LEIS E INSTITUTOS ROMANOS: O DIREITO DE PROPRIEDADE E DAS OBRIGAÇÕES
            De início, é discutido o motivo da formação de institutos que guardariam as leis e, posteriormente, é apresentado algumas das XII Tábuas, que foi, sem dúvida, a maior conquista do povo romano na esfera jurídica:
“Os magistrados patrícios julgavam segundo tradições que apenas eles conheciam e aplicavam. A incerteza na aplicação do direito, por parte dos magistrados patrícios, levou a plebe a pleitear a elaboração de leis escritas”.
“A lei das XII Tábuas foi elaborada por uma comissão de três magistrados...
Tábua I – Referia-se ao chamamento a juízo.
Tábua II – Suspensão da causa por motivo de moléstia.
Tábua III – Execução no caso de confissão por dívida.
Tábua IV – Tratava do poder paterno e de outras matérias de direito da família.
Tábua V – Da tutela hereditária.
Tábua VI – Da propriedade e da posse (dominio et possessione).
Tábua VII – Do direito relativo aos edifícios e às terras”.
            Francisco Quintanilha fala, então, do direito da propriedade criado pelos romanos, que foi um dos seus maiores feitos no campo das leis e que muito influencia nosso sistema atual:
 “Os romanos não deixaram de conceder em termos jurídicos uma das instituições mais duradouras e controversas da civilização humana, o direito de propriedade, que define em grande parte a divisão da sociedade em classes, determinando o poder econômico e político para quem detém o poder jurídico de dispor sobre a propriedade”.
“Todavia, mesmo sendo considerado mais forte poder de uma pessoa sobre um objeto, o direito de propriedade nunca teve caráter ilimitado e absoluto em Roma”.
      É explicado, brevemente, o funcionamento desse avançado direito:
“A propriedade quiritária exigia a concorrência de três requisitos: fundo romano, proprietário romano e a aquisição de acordo com o direito civil”.
“As terras provinciais eram públicas, mas ocupadas e utilizadas por particulares, que pagavam imposto, que não era devido pelos proprietários dos fundos itálicos”.
“Existia também a propriedade peregrina concedida aos estrangeiros... essa nova forma de propriedade admitia o uso de meios processuais de defesa que imitavam a defesa da propriedade quiritária”.
“A propriedade peregrina desapareceu com a Constituição de Caracala... Posteriormente, ocorre a unificação dos diferentes tipos de propriedade, no período Justineu”.
            Francisco coloca, também, os conceitos de pessoa jurídica e responsabilidade patrimonial como pontos relevantes nesse direito romano:
“Existia também a questão do conceito de pessoa jurídica... Há duas categorias de pessoas: as físicas,ou naturais, e as jurídicas, seres abstratos, que a ordem jurídica considera sujeitos de direito”.
“No campo do direito das obrigações, os romanos substituíram as responsabilidades pessoal e corporal dos devedores pela responsabilidade patrimonial”.
            É feita uma referência às importantes modificações implantadas por Justiniano em seu reinado:
“Justiniano introduziu algumas modificações na legislação mediante Constituições imperiais: as Institutas (manual escolar), o Digesto (compilação dos iura), o Código (compilação das Leges) e as Novelas (reunião das constituições promulgadas após Justiniano). Ao conjunto das compilações dá-se o nome de Corpus Iuris Civilis, designação criada por juristas ocidentais, já na Idade Moderna”.
Por último, Francisco revela relação da igreja católica com o direito:
“A influência do cristianismo no direito romano se dá no período do dominato... A influência da religião cristã apareceu com mais força no direito de família, e não no patrimonial, devido à base econômica escravagista”.

5.A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO E A EMERGÊNCIA DO MUNDO FEUDAL
            Francisco aponta algumas causa que fizeram com que o império romano ruísse, detendo-se, em especial, no desgaste da economia escravagista:
“Vários fatores podem ter contribuído e se conjugado para a sua queda: o colapso da economia escravagista; a falência dos pequenos agricultores... o crescimento do exército de desocupados urbanos... ocorreu também o colapso da pesada administração romana”.
“O modo de produção escravagista foi sendo paulatinamente substituído por uma economia de subsistência agrária e estática”.
            Nas palavras de Michael Tigar, é explicada a afloração do feudalismo:
“A necessidade de sobrevivência e defesa militar e a ausência de governo e de legiões romanas tornaram possível e necessária a instituição de um sistema senhorial”.

6.A RETOMADA PELOS ESTUDOS ROMANÍSTICOS NO DIREITO DO OCIDENTE EUROPEU
            Nas palavras de Norberto Bobbio, é situada a retomada do estudo do direito romano e a área européia que esse estudo influenciou:
“O Direito Romano... ressurgiu no primeiro milênio com o aparecimento da Escola Jurídica de Bolonha e difundiu-se não apenas nos territórios sobre os quais já se havia estendido o Império Romano, mas também sobre outros territórios jamais dominados por este: sobretudo a Alemanha... o direito romano difundiu-se, por outro lado, também nos Países Baixos, nos escandinavos e, ainda que em medida mais limitada, na própria Inglaterra”.

7.A RECEPÇÃO DO DIREITO ROMANO
            Os motivos para a recepção do direito romano são esclarecidos nas seguintes passagens, que mais uma vez mostram a grande influência desse direito:
“A recepção do direito romano pela administração de justiça do Ocidente deu-se unicamente pela necessidade de acolher as suas qualidades formais genéricas... os mesmos burgueses não estavam em absoluto interessados na apropriação das determinações matérias do direito romano; as instituições de direito mercantil medieval e do direito de propriedade de suas cidades satisfaziam muito melhor suas necessidades”.
“A apropriação de tais qualidades formais do direito romano foi essencial para o estabelecimento da justiça principesca patrimonial no Ocidente, que não se caracterizou como administração de justiça patriarcal de tipo material”.
“O direito romano não teve ajustamento mecânico e universal, em face das novas condições econômicas criadas pela sociedade mercantil, demonstrando que vários institutos jurídicos do direito moderno advinham das próprias práticas costumeiras desenvolvidas ao final do período medieval”.
“A partir da incorporação de postulados formalistas do direito romano, o direito ocidental adquire o caráter dedutivo que lhe é característico, com seu significado universalizador, abstrato e consubstanciado pelo atendimento dos requisitos formais essenciais”.
“E também não se pode negar a sua influência no delineamento de importantes institutos privados, como a propriedade no seu sentido material, que foi um dos atributos máximos da codificação napoleônica. Assim, de acordo com Perry Anderson, o direito romano garantia um conceito de propriedade absoluta, sem restrições, oponível em relação a terceiros e independente de outros fatores extrínsecos”.
“A codificação contribuiu como fator de unificação do direito privado europeu. Serviu também como instrumento de expansão do direito romano-germânico para fora dos quadros europeus... Este trabalho foi gradativamente sendo empreendido pelos novos juristas contratados para atender as necessidades mercantis burguesas”.

8.CONSIDERAÇÕES FINAIS
            Francisco apenas faz uma menção à utilização de princípios do direito romano nos diversos direitos europeus da Idade Média:
“A ordem legal capitalista encontrou substratos fundantes no sistema romano germânico, não nos seus aspectos materiais já ultrapassados, mas sim nos seus aspectos racionalizantes, que permitiram a certeza e a segurança do cálculo capitalista nas modernas economias. A Commun Law sofreu a influência da ordem romana através dos tribunais de chancelaria e que geraram as regras da equity. Mesmo o direito socialista real, que dominou parte do século XX, incorporou a forma codificada e constitucionalizada da rigidez adotada no sistema romano germânico”.

A luta pelo Direito.

(Rudolf Von Ihering)
Para o autor, o direito não consiste puramente em uma teoria, mas uma força viva. Para se obter a finalidade que este busca atingir ? a paz ? é necessário que haja uma luta. E somente através da luta é que se dá vida ao direito. Apesar de estar claro que o direito é uma luta que visa a sobrevivência da paz em sociedade, há aqueles que não o vêem desta forma, pois estes têm suas vidas decorrendo de maneira tranqüila, pelas vias regulares do direito. Para se concretizar grandes conquistas, foi necessária a luta por elas. E este é o caráter que torna o direito uma luta pela conquista da paz.
 Ao comparar o direito com a propriedade, alega que apara se chegar a ter direito é necessário a luta, e para se ter a propriedade é necessário o trabalho. A palavra direito deve ser lida com duplo sentido. O direito em seu sentido objetivo, é classificado como um conjunto de normas jurídicas vigentes, criadas e aplicadas pelo Estado à sociedade. Já o direito, do seu ponto de vista subjetivo, é uma característica inerente ou adquirida pelo indivíduo. Seu objeto de estudo é o direito subjetivo, pois a manutenção da ordem jurídica por parte do Estado só é possível através de uma incessante luta deste contra a anarquia.
 A luta pelo direito subjetivo ou concreto é provocada quando este é lesado ou usurpado. Quando um indivíduo tem seus direitos lesados, deve optar por lutar por eles ou então deve abrir mão da luta. Para tanto, tal escolha implica sacrifício. Ou o direito será sacrificado em nome da paz, ou a paz será sacrificada pelo direito. Muitas vezes a dor moral por ser injustiçado é muito maior que a vontade de se recuperar o objeto do litígio em questão. Trata-se de uma questão de honra fazer valer os seus direitos. Porém, há os que considerem mais válido abandonar seu direito em nome da paz. E o autor considera tal postura condenável e contrária à essência do direito.
O direito deve ser defendido como se fosse um dever de cada um para consigo próprio, em nome da conservação moral, para que este se realize perante a sociedade. A luta pelo direito é um dever do interessado para consigo próprio; A luta pela existência se retrata não só pela luta pela vida, mas também pela existência moral, defendida pelo direito. A defesa do direito é um dever da própria conservação moral. Para se defender, o homem não precisa utilizar a violência, seja verbal ou física. Na maioria dos casos, pode-se recorrer ao poder público para ter seus direitos garantidos. Porém, em um litígio envolvendo duas partes, onde estas não admitem um consenso, após a decisão, uma delas sairá lesada. Há uma conexão do direito com a pessoa, que confere a todos os direitos, independente da sua natureza, um valor designado de valor ideal. A defesa do direito é um dever com a sociedade; Quem defende seu direito, defende também na esfera estreita todo o direito. O interesse e as conseqüências do seu ato vão além de sua pessoa, atingindo toda a nação.
 Todos aqueles que usufruem dos benefícios do direito devem também contribuir para sustentar o poder e a autoridade da lei. Cada qual é lutador nato, pelo direito, no interesse da sociedade. Mesmo os que lutam pelo direito sem a visão do todo, ou seja, sem a noção de que é um dever para com a sociedade, também contribuem para a luta contra o arbítrio. O direito violado leva-nos a uma reação de defesa pessoal, sendo então, o direito ligado ao idealismo, constituindo um direito para si próprio. Pois a essência do direito é a ação. E essa essência pode ser entendida como aquele idealismo que na lesão do direito não vê somente um ataque à propriedade, mas a própria pessoa.
 A defesa é sempre uma luta, portanto, a luta é o trabalho eterno do direito.

"O fim do Direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça - e isso perdurará enquanto o mundo for mundo - ele nao poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos"  Rudolf von Ihering